«Conheço excelentes artistas que dando muito à gravura não lhe dão porém tudo. Há neles como zonas reservadas que a gravura não força ou a que ela não responde; não será assim porque às exigências que lhe peçam a gravura se segue, mas, principalmente, porque em certas circunstâncias só o alterar da expressão abre tais mundos reservados e rompe os espaços para invenção. Outros artistas há, poucos que também conheço, em que a gravura tem acesso a toda a grandeza de alma. O que há para fazer e mostrar de si mesmos passa-se unicamente naquele retalho de pedra, polidíssima, marfinada e, à sua maneira, macia; na chapa de metal que os buris retraçam e as línguas de fogo dos mordentes corroem até à perfuração; na peça de madeira, retalhada, veios à vista como nervos e sangue. Para tais artistas é nestes materiais de muita e antiga nobreza oficinal que se engendra e vasa a criação. Depois, o papel vai buscar neles o que dela fica; nessa verónica sem cruz, porém misteriosíssima e sagrada na sempre repetida e ao mesmo tempo desconhecida surpresa: a desejada aparição. ILDA REIS é um desses artistas poucos. Desde que a conheço, a admiro e somos amigos, nunca uma gravura sua deixou de me mostrar a profundidade dessas marcas de alma. Nunca nenhuma alguma vez deixou de ter esse empenho que exterioriza e interioriza essa força incontível que é por um lado o esforço e jeito do braço, exactamente, é, por outro, a força do espírito que é outra força ainda maior. Não existe arte da gravura possível sem o concerto destas duas forças de que o papel, a prova, nem sempre testemunha a dimensão reconhecível. Este aspecto, esta espécie de rosto do trabalho, reconhece-se, está reflectido, nas gravuras de ILDA REIS quase como se por ele se determinasse a morfologia que as distingue das outras. (…) Um grande balanço da obra está feito desde o seu começo para que seja possível, viável ou ainda desejável ver-se onde principia o que, agora, parece modificar-se. E, se assim for, depois do grande fogo e da cinza negra renasce sempre, na tradição do mito, alguma coisa, alguma coisa se anuncia, então.» — Fernando Azevedo
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